sexta-feira, 12 de julho de 2013

Primeiras Histórias de Corinna

Corinna está serena nos meus braços e tem me vindo a vontade de escrever sobre o parto.

Mas sabe segredo?
O segredo, quanto mais a gente guarda, mais ele tem força.
Quando a gente conta ele enfraquece, né?
Esse é o grande lance do segredo.
Por isso é tão bom guardar coisas boas em segredo absoluto.

Eu estava com essa sensação a respeito do nascimento da Côri. Queria guardar aqui no peito pra isso crescer, crescer e viver sempre!
No entanto, compartilhar e relatar o parto pode eternizar tambem esse dia, na memória fresquinha.
E pode ainda ajudar outras mulheres na jornada de gestar e parir. E é aí que nosso lado social ativista grita. A Corinna também curte isso de inspirar pessoas. Eu tenho certeza, porque ela me inspira desde que a descobri...

Era novembro de 2012 e estávamos prestes a nos mudar.
A grande mudança da minha vida. Eu morava na casa dos meus falecidos avós. Lá onde cresceram minha mãe e meus tios, onde eu e meus primos passamos também parte boa da infância. Onde morei sozinha pela primeira vez. Onde fiz república com azamiga. Onde vivi com meu companheiro Rodrigo e, poxa vida, onde pari meu primeiro filho!
É essa casa que estava vendida. Eu não sabia para onde iríamos ainda...
E a Corinna chegou no meu ventre. Corajosa! Inspiradora!
De Irlanda à Bahia, pensamos em todos os lugares! No fundo tínhamos um sonho...

Decidimos que seria Ubatuba e nos mudamos em Fevereiro.

Aqui em Ubatuba passei a melhor parte da gestação. A proximidade com o mar e com a floresta só me fez bem. E a todos da família!
A vida mudou muito. Rodrigo assumiu um viveiro de plantas tropicais e decidiu comprar o sítio em sociedade com nossos amigos.
Estive muito mais ativa fisicamente, fora carregar o Mattias de 3 anos vez ou outra, entrei na Yoga e ganhei uma bicicleta.
Trabalhei forte o Coaching para Mulheres, em sessões individuais via skype e em Workshops em Sampa e São José dos Campos.

A gestação cresceu bem, com saúde. Corinna era tambem muito ativa no ventre, seus movimentos vigorosos me traziam força e confiança.

Mattias mostrava uma sensibilidade e uma conexão linda com a irmãzinha. De emocionar.

Eu enfrentei alguns medos e quero relatá-los.
O primeirinho foi pensando como, por Deus, COMO eu poderia amar outra pessoa além do Mattias? Tive certeza que seria impossível e até disse a mim mesma que era certo que os primogênitos são os mais amados. Hahaha!!! E olha que sou a caçula da mamãe.

Depois, temi não dar conta, à medida que a barriga crescia e eu não conseguia mais ter pique pro Matt.
Sábia engenharia do corpo, que abre espaço pro bebê que vem, a despeito do nosso desejo racional. O cara já começa perdendo espaço no colo, porque não cabe mais.

Tive medo de a equipe não chegar a tempo do parto. As enfermeiras obstetras viriam de SJC, 3 horas de trajeto. Chamei uma doula de SJC também.Com quase com 40 semanas chamei uma amiga de Ubatuba pra me doular tambem. Eu não queria era estar sozinha quando a coisa começasse. Havia ainda minha parteira parceira, que atendeu o primeiro parto, avisada que ela também seria chamada, mais pra partejar o coração que o nascimento. Eu sabia das mínimas chances de ela conseguir vir de São Paulo, mas foi importante pra mim ter o canal aberto.

Tive o medo óbvio de precisar abdicar do parto domiciliar por alguma intercorrência. Depois que a gente vive um parto livre a gente não quer outra coisa. Indo a fundo, esse medo era sinônimo do medo de algo que não dá certo. Pra mim ou pra Côri. Então não foi difícil (com o tanto que leio sobre o assunto) desatar esses nó. Ubatuba não tem opções de atendimento humanizado, não temos seguro de saúde, então o plano B para zebras zebrais era ir pra Santa Casa e dar adeus ao tal parto livre, respeito ao neonato, etc. Deusolivre!

Nas minhas meditações na Yoga e nas orações eu fortalecia a visualização de tudo dando certo, da Cori mamando, do parto assistido pelas parteiras, da presença do Ro, da presença da Leti que ia fotografar. Eu tinha receio de não avisar a Leti e sabotar o registro fotográfico, como fiz quando Matt nasceu, quando eu não chamei meu amigo que ia deixar a câmera pra gravar.

Armei a banheira inflável com 39 semanas.
Apesar de o Mattias ter nascido com mais de 42 semanas, eu não queria não ter o recurso da piscininha de parto no dia. Então deixei a bichinha ali, cheia de ar. (Ela esvaziou e eu re-enchi mais umas 4 vezes...)

Comecei tambem a separar as roupinhas que ganhei das minhas amigas. Que delícia!
Foi prestes a completar 40 semanas que eu parei de atender as minhas clientes.

No dia da DPP teve um Arraiá aqui em casa, com as minhas amigas da Roda de Mães de Ubatuba. Parceiras de maternagem, comemos e papeamos num dia delicioso em família. Criançada, pipoca, brincadeiras no quintal. No dia seguinte, praia!!!
Eu entrava no mar e mentalmente me perguntava: será meu último mergulho antes dela chegar? Vou dar mais um!!!


As minhas duas doulas começaram me dar satisfação da vida delas, coitadas. Olha, vou pro Rio de Janeiro, vou pra São Paulo, volto não sei quando...amadas! Vão tranquilas.

Nas consultas com as parteiras, tudo certo comigo e com a Cori. Coraçãozinho e coraçãozão em perfeita saúde :-)

Eu ainda saracuteava de bicicleta por aí nessa fase.

Entrei com tudo na 41a semana. Estava chegando perto!
Foi minha última vez na Yoga. O fato de ouvir toda vez o mesmo refrão me fez querer recolhimento. O povo não se aguenta quando vê um barrigão, quer logo apostar quando nasce, quando vira a lua, quando será? E lá se foram todos os bolões. Ninguém acertaria a data de nascimento da Corinna. Ninguém.
Continuei fazendo algumas posturas de Yoga em casa, na praia, na bola de pilates e no chuveiro.

Com 41+3 recebi uma amiga, que é obstetriz aqui em casa. Fomos à praia, ao sítio, fizemos barriga de gesso. Seria divertido e cheguei fantasiar com um chamado súbito no meio da madrugada pra ela partejar no quarto ao lado.
Mas não rolou, hahaha.


Aqui, o maior parênteses e a maior motivação em escrever esse relato: Bebês Nascem.
Eu já havia internalizado essa máxima, já havia provado dessa confiança. A maioria dos amigos tambem.
"Mas de novo não, né?" alguém me disse, sobre a gestação prolongada.
"Ah, dessa vez você anda de bibicleta, caminha na praia!" o.O
"Olha, dizem que o segundo vem mais rápido." Será?
"Gente, que nenezinha preguiçosa!" Que coisa mais esquisita de se dizer prum bebê...ouvi diversas vezes essa.
Em tom de consolo, uma amiga disparou: "Se for que nem o meu, a Côri só vai estar uma semana ATRASADA." Eu mal conseguia argumentar...

O barato é que eu mesma não estava ansiosa ou nervosa. Já sentia que ela ia repetir a história do irmão.
Ahã, senta lá, Anna Márcia.

E chegam as 42 semanas.
As parteiras queriam saber se eu estava bem, se havia erro de cálculo, ou se eu estava, porventura, psicologicamente bloqueando a chegada dela.
Muitas amigas tambem me escreveram sobre isso. Tenho muitas amigas ativistas, doulas e etecéteras. Cada uma tinha algo infalível a me receitar. Eu adoro uma pajelança, então adorei anotar todas as dicas e experimentar outras tantas.

Mas gente, não. Não estou bloqueando a chegada dela. E mesmo que estivesse, até quando isso seria possível?
Existe gestação que dure 1 ano?
To pagando pra ver.

Enquanto estiver tudo bem, quero esperar o processo iniciar espontaneamente.

Por deixar explícito meu caminho no Facebook, comecei a receber muitas mensagens, desde 38 semanas.
"Já tem algum sinal, Anna?"

Com 42 ficou insustentável responder a todos. Eu fiz status de 42 semanas e fui tomar café da manhã. Na volta tinha 20 mensagens inbox, fora centenas de notificações, entre comentários e curtidas, hummm...

Eu resolvi dar LOG OUT.

Desconectei para me conectar.
Poucas pessoas ousaram ligar ou mandar email e mensagem. Só as mais próximas mesmo.
A segunda feira 24/6 era simbolicamente um limite pra mim, pois era o tempo que o Mattias escolheu ficar na barriga tambem. E limites estão aí para serem superados, né mesmo?
Fui então à acupuntura. No mesmo lugar onde eu fazia Yoga. Já visualizou a cara da recepcionista, né? Sim, um pouco mais arregalados os olhos. Isso. Um tanto mais pálida. Isso, assim. Visualizou.

Reequilibrei as energias ali com ajuda das agulhas. Tomei uma homeopatia bacana pra estimular o útero.
Tive então uma série de contrações com ritmo interessante de 10-15 minutos, que eu acompanhava com o aplicativo Labor Mate no IPhone. Foi divertido. Não eram doloridas, mas bem fortes!
Fomos à praia, eu fiquei lendo um livro bárbaro que a Leti me emprestou: Seven Secrets of a Joyful Birth, de Dominique Sakoilsky. Ela é inglesa e cria de Janet Balaskas. Recomendo. O Rô surfou e o Mattias dormiu no carro.

Conversei com a amiga doula de SJC e caminhei na praia. Eu suspeitei que estava entrando em fase latente. Era aguardar pra ver.

Na volta, à noite, tomei banho e não tive mais contrações. Seria possível? Dormi bem e no dia seguinte, no café da manhã, o Ro disse:
"Poxa, na véspera do Mattias você ainda fez aquela poesia linda...fico pensando se falta algo pra você dizer a ela."
Eu me incomodei com aquilo, porque acabei me sentindo cobrada. E poesia não é coisa a ser cobrada. Apesar de ele não estar cobrando, de fato.

Fui para mais uma sessão de agulhadas. Arregala o olho aí! Não perde a conta: são 42+2.
Isso importa?

No livro da Dominique, que eu lia ali na recepção da clínica, eu estava trabalhando o SIM no meu processo de gestação e parto. A aceitação, a entrega. Ela pergunta no livro:
"Você está preparada para ter o parto real?"
"Você aceita intervenções, desde que necessárias e devidamente discutidas com sua equipe?"
"Você aceitaria que seu parto fosse induzido se você passar da data?"

Ah, não, mano! Essa mulher tá de brincadeira. Tá perguntando isso pra mim, mesmo?

Lá fui eu pras agulhas e dessa vez eu chorei essa entrega.
Ta bom, ta bom, eu me rendo. Eu senti cada agulhada, por cima de pontos que ainda estavam sensíveis, eu chorei.
Eu mentalizei a força de um nascimento, me entreguei.
Eu desconheço meus limites. E os seus, Cori, quais serão?
Venha forte, venha forte, venha em seu tempo.

A gente tem altos e baixos. Eu às vezes pensava: o que será que ela precisa de mim? Silêncio ou barulho? Quietude ou andanças?
Me ocorreu que minha filha, ali de ponta cabeça poderia sentir o mesmo. "Mas vai dar conta essa mulher, de me receber como eu preciso? Acho que ela precisa de mais um dia, hoje foi assim, assado." Será que eles também não sentem assim?

Saí de lá para pegar uma homeopatia e então depois do almoço tudo que eu queria era comer bananinha Tachão e dormir , fui caminhar na praia.

E andei, hein? Manja Praia Grande de Ubatuba? Ida e volta, dá o que? Uns 2km.
Mesma história do dia anterior. Ro surfando, eu lendo, depois andando, Mattias dormindo no carro. Contrações com intervalo regular de 10-12 minutos, segundo o Labor Mate. Seria fase latente?
"Ro, tira minha última foto na praia de barrigão?"
Em casa foi banho, lanche e...
Tudo passou novamente.

Acordei meia noite do dia 26/6. Não era possível aquilo. Eu tinha medo da parteira desistir de mim, hahaha, delírio meu. Ela não desistiria. Então mandei mensagem pra parteira parceira de SP dizendo que se eu fosse dispensada eu iria pra casa dela aguardar TP. E ela aceitou, ainda por cima.
<3 Respirei fundo e escrevi pra minha parteira vir de SJC naquele dia, me dar ombro amigo e me descolar membranas. Foi duro dormir. Gostaria de lembrar mais claramente o que eu pensava.Eu pensava no quanto é cruel termos um relógio tic tacando fora do corpo. Pensei no tempo da Lua, no tempo da flor, no parto do Mattias. Minha angústia era querer esperar e não saber se haveria respaldo a minha volta. Eu esperaria mais uma semana se preciso fosse! Se tudo estiver bem, por que intervir? Pensava no quanto me parecia insano o sistema vigente, que já teria extraído minha filha barriga a fora. Seria necessário? Estava tudo bem, não estava? Pedia sinais e serenidade para agir com sabedoria. Foi a ansiedade de não estar em Trabalho de Parto, quando eu achava que deveria trabalhar já. Não dá pra ter certeza que a gente está fazendo certo. Dá apenas pra sentir. De fato, um bom exercício para o ser mãe, de verdade. Chorei de alagar a orelha e enxarcar o travesseiro. Corinna mexia e sacolejava no ventre. Ô meu pai!! Resolvi ler o relato da minha BFF Diana, que teve um VBAC depois de 42 semanas e SEIS dias. Eu não queria estar na pele dela. Paradoxo em espiral: No relato dela eu sou citada amplamente, como fonte de inspiração e confiança. Que eu a ajudei a esperar. E agora quem me ajudava como fonte de inspiração e confiança? Elas. Diana e Teresa, a dupla da espera e entrega que teve o merecido TP espontâneo.
Lágrimas eternas pela minha história com a Diana! <3 Acordei na quarta 26/6 meio de cara inchada, quieta. Saiu um pouquinho de tampão. Ah!! Adoro tampão! Mas a cara era fechada, introspecção, silêncio. Rodrigo me questionou se era "Só" pela espera. Sim. É só por isso. Dezessete dias depois da DPP, meu caro, a gente idealiza estar já com bebê nos braços. Olha que tinha outra coisa...dia 29/6 estava perto demais. É o dia de nascimento da minha mãe. Seria uma imensa honra receber minha filha no dia da minha saudosa mãe. Mas emocionalmente devastador. Deus sabe o que faz. Hoje não quero agulha, não quero caminhar. A parteira vem me ver de tarde. O Rô estava indo pro sítio com o Matt e eu resolvi ir junto. Andei no meio daquelas flores maravilhosas, joguei pedrinha no rio...


Almoçamos e o Ro foi surfar.
A parteira chegou e nós conversamos bastante, foi ótimo.

Ela fez o (primeiro de toda gestação) toque e sentiu o colo bem anterior, querendo abrir. 3/4 cm.
Fez o descolamento da bolsa, não senti dor, não sangrei. A bolsa já estava descolada do colo uterino, mas o procedimento pode estimular contrações e levar ao TP.

Tomamos um lanche com minha amiga e vizinha, que tambem está gestante. Depois chegou tambem a Leti, minha amiga fotógrafa, mãe de 3. Dois dos anjos que a vida colocou em Ubatuba e eu tive o prazer de compartilhar bons momentos até agora.

Todas se despediram. A parteira ia indo embora e eu disse com cara de gatinho do Shrek: "Fica, vá...olha só, estou tendo contração!"
Ela não levou muito a sério: "Vamos andar, então. Se engrenar eu fico." Que responsa, ufa!

Fomos à padaria e na volta esticamos a caminhada até a praia. Aqui sim a última foto grávida na praia :-)
Tomamos sorvete. Quando chegamos puxei o resumo do Labor Mate: Contrações com intervalo de 4 minutos e 45 segundos e duração de 1 minuto e 11 segundos.
"Qualquer desavisado diria que é TP ativo, né?" eu disse pra parteira. Ainda achava que podia parar.
Ela resolveu ficar e chamou sua parceira pra vir de São José tambem. Mandei mensagem pra doula.
Quase chegando em casa, encontrei na beira do rio, por acaso, a amiga de Ubatuba que iria me doular. Ela estava com o filho de 2 anos no hospital, com a perna quebrada. Ali nos abraçamos. Ela não estaria presente no parto, mas aquele abraço e aquele sorriso marcaram a presença dela.

Tomei banho e quando a parteira saiu do banho eu disse a ela que as coisas pareciam estar indo bem rápido.
Quando Ro e Mattias sairam do banho eu estava andando perdida pela casa, acendendo velas e incensos e com uma saudade repentina dos dois. Abracei e beijei muito os dois. Eles foram ler história e umas 21h eu mandei mensagem pra Leti: "É hoje mesmo! Ponha as crianças dormir e venha com calma."

O quarto estava pronto.
Velas, incenso, piscininha inflada. Começando encher.
Eu estava pronta.
Barriga, noite, contração. Começando doer.

As ondas já vinham fortes.
Eu fui ao banheiro e esvaziei o intestino.
Esse sinal eu tambem tive quando começou o TP do Matt. Comemorei!!

Sentia a barriga endurecer e uma cólica aguda muito forte no pé da barriga.
Muito forte.

Muito pé.

Muita barriga.

Eu tinha algumas almofadas e edredons em cima do sofazinho. Eu me jogava ali naquele cafofo.
Sentia necessidade de esquentar o tal do pé da barriga.
Daí abraçava as almofadas, meio de joelhos, meio de bruços, meio fora de mim.

Eu estava no útero.

Lembrei de tentar respirar abdominalmente, inclusive na hora da contração.
E consegui!
Fiquei muito orgulhosa desse feito. E realmente consegui passar super bem pelas contrações assim. Eu não alterava a respiração, a onda vinha e eu não evitava, ela ia e eu respirava com a barriga.

O povo enchia a banheira e eu ali,
Num mundo água,
À parte do mundo.
Num mundo à parte,
Eu era parte do mundo!

Inspira. um.
Expira.
Inspira. dois.
Expira.
Inspira. três.
Expira.
E já começava a passar.

Eu era o centro do mundo.
Meu útero contraía e respirava.
Eu respirava e deixava doer.
Comemorei. Isso!
Vai dar certo.
Silêncio, olhos fechados.
Respira.

Lá vem outra...Mas já?

A pedra que a gente joga na lagoa.
Os círculos abrindo.
O meu colo abrindo.

E ao final da contração a Corinna dava cabeçadas lá embaixo.
Conversei com ela.
Nosso diálogo:
-Filha, você sabe o caminho, né?
-Eu confio em você, mãe.
-Já vi que você sabe o que fazer, a mim me cabe permitir.
-Eu sei onde vou. Onde vim.

Eu era eu no útero da minha mãe.
A minha mãe me era.
Corinna era no meu útero.
Eu era a mãe. Eu sou.

Abri os olhos, a parteira com sonar, auscultando.
Tudo ótimo.
Mas dessa vez eu perdi a respiração e AAAAAHHHH!! Assim doi.

Ela fez um toque (o último)
"Quer uma boa notícia?"
"Que seja 10cm Sim"
"7 pra 8cm"
22horas.

Ah, caramba. É agora que eu arrego.
Muitos já descreveram a hora da covardia.
Caracteriza-se por...ser covarde. Querer sumir. Desistir. Desmaterializar-se.

Nessa hora eu fui pra banheira. Não toda cheia ainda.
Me perdi.
Onde é que respira mesmo?
Cadê o quentinho?
Cadê minha almofada útero?
Rodriiiiiiigo cadê você?
Me perdi.

Como faz isso? Parir?

Ah, deve ser muito da hora tomar peridural...suspiros.

AAAAAARRRRGGGG
Meu corpo faz força.
Força força
Lá pra baixo.
Força de fazer cocô

É o único jeito.
Mas será o certo?
Pergunto à parteira:
"É certo?"
"Faça o que precisa. Sopre."

Impossível soprar naquela hora. O Ro tentou me lembrar disso, no meio da contração "Sopra, amor" e eu respondi bem malcriada, entre mordidas e grunhidos.

Eu era força. Eu era a minha dor. Dois pés da barriga.

Ro, eu vou morrer.
Vou morrer, eu vou!
Vou...
Eu vou nascer.
Vou nascer,
Vou renascer.

Sinto de repente tudo se abrir, ossos, músculos.
Avassalador, violento, eu sou um pedaço de carne.
Arregalo os olhos.
Adrenalina. Inconfundível:
Luta, fuga e expulsivo.

Com a mão, sinto um fiapo de sangue sair pela vagina.
É gostoso puxar esses fios de sangue.
Entro mais com a mão e sinto uma bolinha, bexiguinha.
Macia, descendo...a um dedo de distância da saída.

Saída que é entrada.
Finda em mim.
Começa em ti.

"Gente ela está aqui!!!"
Então eu grito: Espera filha, espera um pouco!

Eu respiro, retomo fôlego.
Entro em mim.
Sinto a bolinha descer mais devagar...que menina doce.
E de repente VEM, VEM, VEM até o limite.

Eu sopro.
"Ela está coroando!"
(Rodrigo conta que nessa hora ele se riu e pensou: nossa, ta doidona, tadinha, acabou de entrar aí, rs!)
"Olha, gente, está no períneo!"
Eu narrava e todas apenas olhavam. Ninguem falou nada, ninguém interferiu no nosso momento. Havia no quarto duas enfermeiras obstetras, uma fotógrafa, meu marido e muitos anjos.

Epi-No me deu consciência e coragem de manter a mão no períneo esperando a distenção máxima.

Eu sopro.
Êxtase.
Poxa vida, tá acabando. É isso.
Tá começando!

O círculo de fogo de distenção perineal não causou dor alguma.
Não forço, sopro.
Eu sou toda emoção.

"Sinto as orelhinhas!"
Sinto a bolsa se romper.
"Um braço."
Eu sorrio e já abraço.
Sou inteira um sorriso.
"Agora ela vem toda, ela vem toda, ela vem toda!"


E ela toda veio.
Pro meu peito.
Pro meu mundo.

22:58 e já não existe vida sem ti.
E de fato como haveria de haver vida sem a Corinna?
Do meu colo não saiu.
Meu coração já dilatou, imenso.

Nasceu bem, que tenha longa vida!

Ah, Corinna...
Você é linda,
Seja bem vinda nossa menina!

Eu agradeço.

Eu agradeço ao RODRIGO, parceiro de uma vida toda e pra muitas vidas ainda. Simplesmente amor. Eu te pertenço.
Ao Mattias, pela paciência e infinita inspiração, desde que decidiu escolher essa mãe aqui. Você me ensina a cada dia.
A todas ativistas e maternas representadas pela figura de Ana Cristina Duarte, obstetriz e minha eterna parteira parceira.
Katia Zeny, Enfermeira obstetra que acolheu meu parto juntamente com Patrícia Borges, parceira Enfermeira Obstetra. Ambas guardadas no meu coração, eternamente. Pelo silêncio, pelo respeito, pela presença. Gratidão.
Flavia Penido, doula inspiradora e já amiga, pelo acolhimento, pela sabedoria compartilhada, pelo ativismo. Te adoro!
Vania Cristina e Tami Deshná, vocês são um presente na minha vida! Obrigada e obrigada amigas doulas mães e companheiras de maternagem praiana.
Letícia Valverdes Leti, eu não tenho palavras, darling, porque ainda sou pura emoção ao ver os registros que você fez do parto. Só seu olhar, só sua vivência poderia ter feito isso. Eu te espero no Brasil, pra muitos outros momentos compartilhados.
Diana Faria, minha BFF, por estar na minha vida há 13 anos e significar cada vez mais. Irmandade.
Corinna, minha filha das águas que chegou pra resgatar o belo, o feminino, o equilíbrio e a serenidade na nossa família. Eu sou inteirinha Gratidão.